Os Mellos: Jagunços e Potentados no Sertão do São Francisco

Fazendo Educação




ISBN: 978-65-85101-37-0

DOI: 10.29327/5416258

Descrição: Para norte-mineiros menos atentos, talvez seja indispensável apresentar a figura do intelectual januarense Manoel Ambrósio Alves de Oliveira. Trata-se, antes de tudo, de um homem de letras, absolutamente versátil: professor, jornalista, folclorista, poeta, historiador e romancista – à moda holística dos sábios antigos, que viveu e produziu vasta obra histórica e literária no sertão do alto-médio São Francisco, entre o fim do século XIX e a primeira metade do período novecentista. 
Conforme pontua Francisco de Vasconcellos  em publicação de 1974, os romances Hercilia, Os Laras e A Ermida do Planalto, são parte da própria obra com a qual o autor mais se realizou publicamente, faltando para compor o quatrilho a publicação de Os Mellos, que só agora, em mais uma homenagem póstuma, vem a lume. Os Mellos compõem uma série de textos que poderíamos chamar de romance histórico, mas Ambrósio-pai classificava como “novella regional”. Como na maior parte dos constructos do universo ambrosiano, pode-se postular que os arcaísmos particulares são parte do efeito que o autor propõe ao texto, ressignificando na escrita, os jogos de oralidade das gentes sanfranciscanas. Antes de se constituir, portanto, em simples recurso estilístico, é de se crer que o franco uso da linguagem autóctone é uma técnica de que se utilizam a maioria dos escritores regionalistas. Isso para dizer que a ortografia, o léxico e a riquíssima variação fonética que salta do texto, não pode e não deve ser adaptada, sob pena de descaracterizar o múnus literário e, consequentemente, o efeito dramático e particular da obra. 
Também é necessário esclarecer que algumas dúvidas sobre a construção, a linearidade e o significado de palavras e expressões idiomáticas utilizadas pelo autor – aqui transcritas de seus manuscritos originais datados de 1932 – talvez nunca sejam completamente equacionadas ou resolvidas. O que importa pouco, visto que o lirismo aliado à densa descrição ambrosiana torna menores estas questões. 
Os Mellos se alinha ao Os Laras, no sentido de que descreve ou retrata o feudalismo tardio que imperou entre o norte de Minas e o sul da Bahia, no decorrer de todo o século XIX até os meados do XX. Lugares em que nos apontamentos de Alberto da Costa e Silva  encontravam-se “[a] s desmesuradas terras sem lei do interior do Brasil, onde mandavam a audácia e a coragem”. Manoel Ambrósio trata, então, nesta obra, de um recorte histórico, geográfico e sociológico muito próximo ao que foi imortalizado na obra de João Guimarães Rosa, sobretudo em Grande Sertão Veredas. 
Talvez seja desnecessário dizer, mas diremos assim mesmo: a descrição da cultura da jagunçagem e dos fazeres vaqueanos constantes do universo ambrosiano precedem em muitas décadas a mesma descrição constante no universo rosiano, o que situa nosso velho-sábio na vanguarda literária de seu tempo. 
Neste livro prevalece a lógica de imensos territórios controlados por poucos fazendeiros, ainda vestidos de idade média, que exercem a ordem ao arrepio das novas leis republicanas, estribando sua força política em vínculos de parentesco, rifles, bacamartes, jagunçagem e “valentões a serviço”. São os mineiros tardios, herdeiros de uma organização fundiária patriarcal que remonta ao tempo das bandeiras paulistas, sertão adentro. 
Aires da Mata Machado Filho , em elegia ao mestre Ambrósio, ressalta a maneira peculiar com que alguns escritores tratam dos temas sertanejos, afirmando ser mais coerente “(...) [c]om a formação mineira manter o seu critério de fidelidade à sintaxe tradicional, aproveitando dos aspectos regionais, além da paisagem, os costumes locais e a posição do homem perante a realidade”. Ambrósio também demonstra seu vínculo com a produção literária oitocentista quando faz breve referência à ilha dos Guahibas de São Romão, bem como ao antigo território dos Araxás das contendas, congruente com as cenas de fundação do país que reificam o lugar da pessoa e dos coletivos indígenas como aqueles que “[s]ão anteriores ao Brasil”  . Deste modo, temos aqui mais um exemplar da melhor tradição literária interiorana, lembrada por Aires da Mata e consubstanciada nos escritos do Professor Manoel Ambrósio em rico material de pesquisa e reflexão para linguistas, sociólogos, geógrafos e historiadores. 
Com mais uma licença do João-Rosa, pedimos ao leitor que tolere, pois isto é o Sertão! 
- Ramiro Esdras Carneiro Batista

Organização: Ramiro Esdras Carneiro Batista e Pedro Borges Pimenta Júnior



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